Mãe de menina de 12 anos abusada pelo padrasto tentou esconder o crime: ‘Não fez nada e continuou casada’, diz trecho de depoimento
Criança contou ainda que foi ameaçada pelo homem para mentir sobre estupro: “Se contar a verdade, vou te matar”. Com medo de represália do tráfico de onde moram, ele e a mãe da jovem foram até a 19ª DP, na Tijuca, tentar montar uma versão sobre o crime, mas foram descobertos e presos.
Por Eliane Santos, g1 Rio
O trecho do depoimento da menina de 12 anos, que diz que era estuprada pelo padrasto com o conhecimento da mãe, e a que o g1 teve acesso, mostra o desespero da vítima para ser ajudada e como ela não foi apoiada pela genitora.
Na delegacia, acompanhada da avó paterna e de uma conselheira tutelar, ela contou que os abusos começaram pouco antes dela completar 11 anos, em fevereiro de 2022, e seguiram até março de 2023, quando uma vizinha viu o homem apalpando suas partes íntimas.
A mulher contou para a mãe da criança, que foi questionar a menina. Esta confirmou e achou que teria ajuda, mas nada foi feito.
“Que sua mãe pensou em vir na delegacia, mas não veio; que a mãe da declarante continuou ‘casada’ com seu padrasto; que não fez nada; que ‘muita gente sabe que sua mãe sabe’; que as relações sexuais nunca cessaram; que sua mãe sempre soube que ele ‘estuprava’ a declarante; que a mãe da declarante, inclusive, já viu ela tendo relações sexuais com ele e nada fez”, diz trecho do depoimento a que o g1 teve acesso.
Em outro trecho do documento, a criança diz que a mãe, que é moradora de uma comunidade, cogitou entregar o marido para o tráfico local, mas que mudou de ideia “por medo do que poderiam fazer com ele”.
Sem ajuda de ninguém, a menina contou o que estava acontecendo para a avó paterna, mas ainda tentou proteger a mãe, sem dizer que esta sabia do que se passava.
A situação da criança acabou chegando ao conhecimento de criminosos do Morro do Borel, na Zona Norte do Rio, onde a família morava, no dia 21 de junho, e estes expulsaram o homem do lugar.
Novo crime
No dia seguinte, mãe e filha foram até à delegacia para registrar queixa da situação, mas no caminho, encontraram com o padrasto. Os dois combinaram que ela deveria mentir, contar que “não houve relação sexual, que deveria somente narrar que ele ‘passou a mão nela algumas vezes’”.
Mas a “combinação” também foi feita em cima de novo crime, o de ameaça.
“Que seu padrasto nunca fez nada com seus irmãos; que seu padrasto no caminho para a delegacia a ameaçou falando que ‘você vai ver o que eu vou fazer com você quando eu sair’; ‘que se você contar a verdade vou te matar”, diz outro trecho.
Delegada desconfiou
Ao chegar no local, a delegada da 19ª DP, na Tijuca, desconfiou do clima do trio e da presença do homem denunciado.
“O clima era muito calmo para quem estava relatando um crime daquela natureza. A mãe não parecia revoltada ou chocada”, conta a delegada Fernanda Caterine, que está à frente do caso.
Ela acionou uma conselheira tutelar, e juntas ouviram a menina, que acabou revelando que o padrasto já abusava dela desde fevereiro de 2022, que a mãe sabia e que já tinha presenciado um dos abusos. A mulher também acabou confirmou a situação e foi presa em flagrante por falso testemunho.
Medo do tráfico
Durante a oitiva, a menina contou que a mãe e padrasto procuraram a delegacia para tentar se resguardar do tráfico de onde moravam.
A partir de novas investigações e depoimentos, a delegada pediu a prisão em flagrante do casal por falso testemunho e pelo crime de ameaça e, posteriormente, a cautelar preventiva também por abuso sexual. A prisão, sem tempo para expirar, foi concedida no sábado (24), pela juíza Mariana Tavares Shu.
O padrasto responderá por ameaça na forma da Lei Henry Borel, que prevê punição específica para ameação à criança e ao adolescente.
A menina foi entregue aos cuidados da avó paterna, que também acompanhou o seu depoimento na delegacia.